segunda-feira, maio 28, 2012

15 mais 15



              Anunciei que voltava em breve e passaram quase dez meses. Nunca quis encerrar este espaço pois sempre achei que numa hora como a hora de hoje, eu ia ter necessidade de voltar a mostrar alguém  algumas  novas imagens escritas. Nestes quase nove anos de blogue escrevi muito pouco. O tempo completamente livre que tinha para o fazer usei-o para dormir mais uns minutos ou especar-me perante este rectángulo em branco sem querer exibir nada a ninguém. Nesses tempos, o Documento1 de word foi apenas página anónima sem salvação. Muitas foram as vezes que, prestes a salvar alguma coisa, decidi apagar tudo.
                Escrever exige disciplina como uma vez me respondeu José Luís Peixoto. E eu só sei ter disciplina para aquilo que devo fazer e não para o que quero fazer. Acreditem, eu quis e quero muitas vezes fazê-lo, todavia, nesses entretantos, as palavras não serviam e as histórias que tinha para relatar não eram para te contar e nem tão pouco tinham qualquer necessidade de serem resgatadas. Em tempo de sequestro e pouca posteridade eu envelheci e envelheci porque os outros à minha volta também não continuámos novos. Porém, em todas as partidas, nunca voltei de mãos vazias. Por vezes voltei com o coração mondado, mas continuei a viajar e a ser, de quando a quando, porque não, feliz. Este blogue foi a minha forma de partilhar a minha saudável solidão. Dizem-me que eu fujo mas eu não concordo. Dizem-me que eu me perco mas eu não posso aceitar completamente. Dizem-me que eu devia crescer e aí sim, só que eu não sei ainda como.
           Na sexta feira faço trinta anos e ainda não os sinto. Entre copos, cidades e mulheres, sinto que vivi 60 anos mas ao mesmo tempo assusta-me aceitar que já não tenho 15. É –me fascinantemente inacreditável saber que sou psicólogo, que assino recibos de ordenado, que oriento estágios, que supostamente sou um cidadão idóneo e ajudo na protecção dos direitos das crianças e que termino e-mails para adultos rotineiramente com “os melhores cumprimentos”. Logo eu, que não tão poucas são as vezes, sonho que recebo uma carta da faculdade a dizer “Gonçalo, afinal você não acabou o curso, apresente-se na secretaria com carácter de urgência”. Eu, que sinto ter em mim cem mil mundos urgentes por mapear, vejo-me ter que responder com confiança sobre as coordenadas da geografia dos outros. Eu, que falo sobre as relações desses outros com laivos empírico-académicos e mais um terço de bitaites testados com casais alheios e, no fim dos cabos, estou solteiro há talvez quatro anos e já não me lembro da maravilha do amor feito entre nós. Eu que pertenço a Ordens e a Comissões, e vou a Formações e transmito opiniões e elaboro Relatórios de Avaliações mas que, noves fora, só queria estar ali com os putos a jogar 5 para 5 entre balizas feitas de mochilas monte-campo.
                Não foi assim há tantas centenas de dias que eu cantava numa banda de rock, vivia de bicicleta a 45 minutos de Veneza e não sabia o que eram categorias profissionais, cronogramas e amortizações. Não foi há mais de uma década em que nos sentávamos na rádio do bar da faculdade a tecer comentários sobre as mamas bonitas de todas elas, seleccionadas do 1º ao 5º ano. 
             No final da semana eu terei trinta anos. Estou mais pesado, ainda vou tendo cabelo. Não posso cultivar barbas de um mês e despentear-me com propósito. Tenho saudades de acampar na Fonteireira. Tenho saudades dessas fogueiras vividas com amigos a descobrir o mundo e saber que estávamos a ganhar super poderes sócio-espirituais. Esse fogo, essas bicicletas, esses gargalhadas, essas caminhadas, essa rotina, essa fúria dos momentos de paz, ecoam nestes tempos mais lentos e saborosos. Esses episódios retinam nestes finais de vinte anos de combates sem guerras de grande violência.
                 Continuo a brincar, a mascarar-me a inventar novas vidas. Faço Teatros. Mora em mim tanta gente fictícia e tanto de vocês que juntos devemos ter mais de dez mil anos. Continuo a apaixonar-me por coisas que me são estrangeiras e continuo a querer só dizer-te uma piada,  fazer-te rir, para que não me tenhas mais fronteiras. Ainda não sei dizer imenso, por isso é bué fixe saber que este meu mundo tem tantos espelhos-fantasmas-benignos de mim mesmo. Ora derivando eles pelas subidas do Monte Abraão, ora desviando-se pelas  arcadas de Pádova, ora fazendo-se sentir nas gargalhadas de Roterdão, na doçura dos olhar de Liubliana, nas despedidas das estações de Varsóvia  ou na multidão ensimesmada dos ferries do Corno de Ouro. Sem esses ecos, eu não teria sexta-feira estes trinta anos. E sem estas palavras ditas eu seria apenas mais um sem história. Sem palavras escritas hoje, quem serei eu daqui a quarenta e cinco vírgula quarenta e nove anos? Além de morto segundo o INE e a sua esperança média, não seria ninguém. Mesmo vivo preciso destas palavras ditas e reescritas... Preciso mais que isso. Preciso que me oiças e leias. Porque não bastam só as palavras escritas. Mesmo que um dia inventem borrachas com a parte azul que realmente apague a tinta de todas as bic sem sequer romper  as folhas dos nossos cadernos pretos com recorte dos Nirvana, tu leste-me e sabes quem fui. Mesmo que todos os hackers malévolos da facção ignorante do mundo se reúna e acabe de vez com os processadores de texto e as bases de dados de blogues, tu lês-te me e sabes quem sou. Mesmo que todos os incêndios da piromania  estival  queimem estas folhas brancas de passado frio, tu leste-me e podes amanhã contar quem eu poderia ter sido. Mesmo que um dia não existam mais registos meus, que não conste do ficheiro de qualquer burocrata ou que os filhos da mãe dos Alzheimers me sodomizem a mente, tu leste-me e eu posso voltar outra vez a ter 15,apaixonantes, anos. Gonçalo Fontes