quinta-feira, setembro 25, 2003

também nos fazem perguntas, os pcs.

…Há pouco tentava escrever um post. Ia a meio mas desisti de o publicar. Talvez o volte a pensar noutra altura. Liguei a televisão, vi um filme. Voltei depois despreocupadamente ao computador. Conversas trocadas, desliguei o monitor para ouvir música em paz. Voltei ao oráculo. Talvez Picasso não tivesse completamente certo quando disse que os computadores eram as máquinas mais inúteis inventadas pelo homem uma vez que apenas nos davam respostas. Hoje pensei que o melhor dos computadores é podermo-nos entregar a eles, criarmos empatias e intimidades e depois, de um momento para o outro, trocá-los, abandoná-los, sem ter de encontrar explicações, sem sofrermos com a sua ou a nossa partida. É talvez o único poder das Máquinas em relação às Pessoas. Até amanhã pc, hoje, como sempre não vou precisar de pensar em ti. G.F.C.

domingo, setembro 14, 2003

O meu tempo

Há uns largos anos a minha Professora da primária ensinou-me que o ponteiro maior indicava os minutos e o menor as horas. Também havia um, mais fininho, que indicava os segundos e rodava mais rapidamente que os outros. Então o tempo começou para mim a exercer um fascínio e a existir. O meu colega de carteira, o Jepas, tinha naquela altura um “flik flak” e encontrávamo-nos volta e meia a ver as horas. Era um relógio soberbo pensava eu. Nesse tempo em que gostamos do tempo, passava tudo devagar. Sabíamos que as aulas acabavam às 18h30, fazíamos a contagem decrescente para o toque mas não havia nenhuma vontade de ir embora. A campainha tocava porque tinha de tocar aquela hora. Tínhamos relógio mas os dias começavam quando nos iam acordar para levar ao colégio, almoçávamos quando nos chamavam, deitávamo-nos quando acabava o Roque Santeiro. Lembro-me da primeira directa que fiz, com os meus pais e um grupo dos seus amigos, tinha 8 ou 9 anos. Perguntava de 15 em 15 minutos “Já é directa? Já é directa?”Queria insistentemente que o tempo passasse. Fazia nesses tempos contas, tentava ver quantos minutos faltavam para o ano 2000, quantas horas faltariam até fazer 16 anos, quantos segundos até ser um “grande” com 18. Hoje gostava que esse ponteiro mais fininho rodasse mais devagarinho. Hoje sinto-me crescer e ainda não tive tempo para descobrir se gosto.

No 6º ano fui a Ceuta e os meus pais compraram-me o meu primeiro relógio digital. Um CASIO, com luzinha amarela ao canto. Já podia ver as horas de noite, já podia descobrir a que velocidade corria os 100 metros. Aprendi então que havia ainda unidades mais pequenas que os segundos. Estraguei a luz, emperrei o cronómetro mas o relógio durou-me 4 anos. Está hoje abandonado, sem pilha, numa gaveta de memórias. Depois de um G-shock acebolado desisti de usar relógio.

Faz hoje um ano que voltei a adornar o pulso. Um swatch. Está constantemente a atrasar-se. Devo dizer que gosto. Não me dita as suas leis e engana os que me querem responsabilizado, servo do tempo. Não é uma “algema” como disse uma vez em entrevista o pai do primeiro satélite português. E foi depois de ouvir essa entrevista de um Físico “humano” e de ler Alan Lightman, que me juntei ao mundo dos que não se fanatizam pelo tempo maquinal, físico, mecânico. Foi então que percebi a existência de dois mundos mais antagónicos que a Esquerda ou Direita, mais subtis que o Benfiquismo ou do Sportinguismo. Mais conflituosos que ser crente ou ateu.

Alguns de nós vivemos num mundo onde o tempo é rígido, escrupuloso, calculador. Muitos de vocês levantam-se todos os dias às 7h30 da manhã, dizem olá ao vizinho às 8h, bebem um café às 9horas, vão à casa de banho às 11h, almoçam às 13h30. Jantam às 19h30, assistem ao telejornal das 20h, fazem amor entre as 23h e as 23h15. Poe o “on” do despertador às 23h30, adormecem às 23h32. Trabalham 40 horas por semana, fazem jogging à segunda, quarta e sexta, compram o jornal todos os domingos. Fustigam-se quando chegam atrasados 3 minutos a algum compromisso.

Eu tal como também muitos de vocês preferimos o ritmo dos nossos corações, ouvimos os sinos das Igrejas pensando na música que toca e não que horas serão nesse preciso momento. Comemos quando temos fome, acaba-nos o dia quando adormecemos, fazemos amor quando desejamos. Sabemos que o tempo é necessário à organização e disciplina, para que sejam entregues projectos no prazo certo. Para que a rotina necessária exista. Mas mais que isso, para nós o tempo apenas são impulsos, pulsões. Para nós o tempo carregado de stress avança ainda com mais dificuldade. Para nós quando o nosso clube perde a 10 minutos do fim, o tempo passa num ápice, quando ganha apenas por um e é pressionado, o tempo torna-se lento, agoniante. Para nós, quando um amigo teve um acidente e está no hospital e não sabemos notícias, quando esperamos o nascimento de um filho, um minuto veste-se de século. Para nós quando o Benfica marca um golo, quando nos elogiam, quando festejamos, quando nos sentimos completos nos braços de um amor, o tempo forma-se flecha. Para nós o tempo não nos dita as leias biológicas. A nossa tristeza não se faz de substâncias transportadas ao micro - segundo para cerebelo. A nossa existência, faz-se, sabendo essas regras mecânicas, mas iludindo-as, esquecendo-as, transformando-as em magia solta. Para nós as roldanas e alavancas químicas, físicas, biológicas, existem mas tornam-se coloridas, partem-se, desmontam-se, aceleram sem explicação. Chiam, explodem, derretem, encravam, fazem com que o mesmo beijo possa ser ao mesmo tempo eternamente efémero.

Hoje volto a por um relógio, são 16h32 minutos, na realidade 17h44 em Lisboa, 16h44 em São Miguel, menos umas quantas horas no Pantanal, mais umas quantas em Dili. Saio para compromissos à hora marcada e perguntando de quando a quando, resituando-me no outro mundo instituído, que horas são ? G.F.C.


- Comentários, dúvidas, incertezas, ofertas monetárias, sermões, correcções, propostas irrecusáveis, cabalas, feedbacks, basbaquices quotidianas, tudo isso para: oracludosbasbaks@mail.pt Critica.

sábado, setembro 13, 2003

"O jogo das perguntas" de Peter Handke

«Velho: (…)Será que já superaram o espanto da primeira vez, e agora só contam anedotas e jogam às cartas? Não acredito. A nossa terra é conhecida por as pessoas não saberem nem anedotas nem jogos! E quanto mais velhas mais espantadas ficam. Até pasmam colectivamente, em uníssono, em coro e o nome que mais se vê nas casas é “O pasmado”, “pasmaceira”. Até o dialecto da terra é conhecido pela “fala dos pasmados”, e a nossa entoação exprime um espanto permanente. (…)

(…) Actor: Se existe hoje em mim alguma força é a do principiante. (…) Se alguma coisa eu sei desde criança, sem necessidade de professores, é esta: que não podemos ter nada neste mundo, nem tu nem ninguém. Eu sou um Zé Ninguém fanático. E venho também da terra dos que pasmam, para quem nunca nada há de ser evidente e que se deixam dominar pela saudade quando não têm nada que os faça pasmar. E a minha nostalgia vai para qualquer coisa ainda mais forte que o simples pasmo: a estupefacção sem limites.»

Vai bem Guilherme, vai muito bem.

Balu é uma personagem de “Livro da Selva”, de Rudyard Kipling. É um simples urso que se torna numa espécie de tutor de Mogli, um bebé humano encontrado na mata indiana e adoptado por uma alcateia. Na obra de Kipling, onde metáfora da selva, sociedade moderna, é trazida genialmente, Balu é um urso simpático, bonacheirão, encarregue da educação de Mogli. Encarregue da sua sobrevivência no meio dos selvagens animais.

Está a fazer um ano que vesti a pele de Balu, na Alcateia do agrupamento de escuteiros a que pertenço. Encontrei não um bebé abandonado no meio de um matagal mas sim 20 crianças de quem fui animador, confidente, educador, amigo, pai, mãe, irmão mais velho, guarda-redes, trocador de calças borradas, companheiro de brincadeiras. A minha tarefa, a de difundir o escutismo nestas crianças. Tentar mostrar-lhes um dos muitos caminhos para a felicidade, demonstrar-lhes esta forma especial de se ser pessoa. A expectativa do pesado fardo da responsabilidade e a inabilidade de dar um exemplo de uma coisa que ainda não sei ser, adulto, eram os meus principais medos.

Contudo, darem-me as peles deste urso revelou-se uma experiência única e, sem qualquer incerteza, gratificante. Fins-de-semana em que dei o meu testemunho de vida, acampamentos em que retransmiti o que os mais velhos me haviam ensinado, férias que perdi com amigos para poder ter um papel principal numa das coisas mais mágicas da vida de cada um e nós outros. A nossa infância. A que ainda não é assim tão velha e a quem fui buscar, força, imaginação, lembranças cristalinas, sorrisos inocentes para poder ser apenas um deles (um pouco mais alto, com mais pelos e que não pode monstrar que também se porta mal, também diz asneiras, também as comete). Como todos cometemos.

Descobri então que o André gosta da Sara, que é maria rapaz e já gostou do João, que já deu uma vez um beijinho na boca de uma menina mas não “gostou por causa que tinha cuspo”, que é amigo do Diogo, calmo e sereno, que não gosta de ninguém e que se chateia também com o mongo do Eduardo, que foi o meu super guru ajudante e que também irrita a Sofia que tem uns óculos de massa castiços e salvou o violino, prima do Michael que inventou uma música para quando alguém diz uma calinada e todos “o barram”, que se porta ainda pior que o Bernardo, saído de uma Britcom, loiro, “cromo 101 numa caderneta de 100” de quem a Barriguitas, “panhonha” tem um fraquinho. Perdoe-me a exposição de algumas confidências mas parto do princípio que nenhum dos lesados lê blogs.

Foi um ano a descobri-los e a descobrir-me. A pensar no tempo em que não pensava. Em que não precisava de blogs. Bastava-me uns quantos playmobils. Foi um ano em que percebi realmente porque é que um pai ou uma mãe, embora ame um filho, sinta de quando a quando a vontade de lhe dar umas traulitadas. E quando a paciência se soltava saia o sopapo acompanhado de um sermão. Talvez não tenha surtido efeito, talvez nunca chegarei a ver resultados práticos do trabalho que realizei com eles. Talvez nunca saberei de que forma influenciei as suas vidas, se se lembrarão de mim, das gargalhadas que trocámos, do medo que tiveram quando o ladrão de violinos lhes roubou o violino de brincar transformado em Stradivarius. Talvez se esquecerão de mim e dos outros animadores e chefes meus colegas que lhes ensinaram os nós, a utilizar um machado para fazer estacas, um serrão sem se cortarem, a montar um abrigo ou uma mesa para todos, a ser leal, a honrar a palavra, a ser disciplinado, a ser útil, a ser único, a ser alguém. Ou talvez este sentir a vida e esta felicidade esteja subtilmente a formar-se e a faze-los, aos poucos, amar uma vida no meio da Natureza. Amar as canções despidas de adornos, cantadas à volta de um fogo sereno, sob um céu estrelado que serve de rumo à descoberta de um passado feliz que um dia também eles terão.

E, sem esperar, recebi uma recompensa melhor do que poderia imaginar. Deu-ma o Guilherme, de 8 anos no acampamento de Verão de finais de Agosto. Apenas consegui responder com um sorriso emocionado. As suas palavras resumiriam todo este post e são elas um momento de beleza que valeu pelo ano todo. Estava sentado, a cuidar das feridas, cansado, a pensar sobre o facto de estar ali, do ano estar a acabar, da alegria de ter estado com eles, quando o Guilherme se sentou junto a mim, tentou por o braço à volta dos meus ombros mais altos que ele e, meio pendurado olhou tal como eu o horizonte perguntando-me com a sua voz roufenha e castiça. - «Então amigo urso, como é que vai essa vida?» G.F.C.

quinta-feira, setembro 11, 2003

falsa partida

Adio esta noite as palavras, estou com preguiça. Não quero repartir a noite e pensamentos com ninguem. Não tenho vontade. Blog, hoje não, doi-me a cabeça. Boa noite aos que me quiseram ler. Talvez esteja mais generoso amanhã, menos seco, mais basbaque.

Regressos

Passou quase um mês desde o último post. Foi tempo de recolher ideias, de encontrar atalhos, de definir projectos, remeditar em sonhos antigos. Tempo essencialmente de limpezas. Do quarto, do computador, das mochilas, dos livros, das más memórias, dos maus presságios. Tempo de fascina e de balanço. Tempo para regressar. Tempo de voltar a estar só e de juntar todo um Verão em algumas palavras. Umas quase perdidas nos recantos cognitivos, outras gravadas a tinta de esferográficas anónimas, escrevinhadas por ali e por aqui num pequeno bloco de notas. Bloco este meu amigo fiel, copista pessoal, meu fotógrafo de momentos. Antes que a nova era comece que fiquem esclarecidos então desabafos por contar. G.F.C.